Peck Advogados

O projeto de lei que visa regulamentar os serviços vinculados aos ativos virtuais (as criptomoedas por exemplo), foi aprovado no Plenário da Câmara na sessão deliberativa do dia 29/11/2022. Os deputados analisaram um substitutivo do Senado ao Projeto de Lei 4401/21 (antigo PL 2303/15), que foi apelidado de PL dos criptoativos.

O texto do projeto de lei é de autoria do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ). O PL já havia sido aprovado na Câmara uma vez, depois foi aprovado com urgência no Senado e retornou à Câmara para revisão e verificação de mudanças propostas pelos senadores.

Após a aprovação na Câmara, o PL segue para a sanção ou veto presidencial (o veto se mostra improvável). Em caso de sanção, a lei entrará em vigor em 180 (cento e oitenta) dias após sua publicação.

O PL 4401/2021 representava um compilado de projetos de leis que visam regular o mercado de criptomoedas no Brasil. Em dezembro de 2021, o PL 2303/2015 foi aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado. No Senado, o projeto tramitou em conjunto com o PL 3.825/2019 (de autoria do senador Flávio Arns e relatoria do senador Irajá). Por sua vez o senador Irajá apresentou um substitutivo que incorporou ideias de outros dois projetos sobre o mesmo tema (PL 3.949/2019 e PL 4.207/2020). Com as mudanças indicadas pelo Senado o Pl 4401/2021 voltou para a Câmara dos Deputados e após uma série de adiamentos, foi aprovado seguindo o parecer do relator deputado Expedito Netto.

Principais pontos da aprovação:

O conceito de ativo virtual estabelecido no PL é “representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”.

Vale destacar que a PL não se aplica aos ativos representativos de valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei nº 6.385/1976, e caberá ao Poder Executivo, por meio da indicação de entidade e mais órgãos da Administração Pública Federal, estabelecer quais serão os ativos financeiros regulados.

O conceito de prestadores de serviços de ativos virtuais descreve que são as empresas que fazem troca, em nome de terceiros, de moedas virtuais por moedas fiat, trocas de uma cripto para outra, transferência, custódia, administração e que participam em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por quem emite ou vende ativos digitais.

A proposição de efeito imediato do PL foi rejeitada. Significa que as instituições que administram/transacionam os ativos, as chamadas exchanges, não deverão se ajustar imediatamente as determinações da legislação. Obrigatoriamente terão que se enquadrar nas novas normas, porém terão um prazo de seis meses para essa adaptação.

Durante a tramitação no Senado o PL teve propostas de alteração, visando aumentar seu escopo e envolver questões como a redução do impacto ambiental na mineração de criptomoedas. Entretanto, a maioria das mudanças propostas pelo Senado foi recusada e retirada pelo relator do PL na Câmara, deputado Expedito Netto.

Segundo o PL, a competência regulatória infralegal de agências exigia que corretoras de criptoativos tenham inscrição (CNPJ) e representação no Brasil. Isto impõe que as empresas de mercado deverão compartilhar um número maior de informações com órgãos financeiros e fiscalizatórios do governo. Essa regra de transição foi retirada pelo relator do texto aprovado.

Não foi expressamente definido o órgão responsável pela regulamentação dos ativos virtuais e dos prestadores de serviços de ativos virtuais, mas indica que o Poder Executivo atribuirá a um ou mais órgãos da Administração Pública Federal a disciplina dos ativos virtuais regulados, bem como do funcionamento e supervisão das prestadoras de serviços de ativos virtuais. Há uma expectativa do mercado de que o Banco Central seja o órgão indicado como supervisor desse setor. Todavia, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tem assumido uma postura bastante ativa nos debates, divulgou uma nota em 30 de novembro que “pode e deve ser o órgão responsável pela regulação dos criptoativos que se enquadrem como valores mobiliários.” Corroborando esta postura, em outubro publicou o parecer orientativo 40 com disposições normativas para o mercado brasileiro, incluindo as normas e parâmetros para definir o enquadramento de determinados criptoativos na categoria de valores mobiliários.

As prestadoras de serviços de “ativos virtuais” foram incluídas no Rol de atividades sujeitas ao cumprimento de regras previstas na Lei nº 9.613/1998 (Lei do COAF e Prevenção a Lavagem de Dinheiro).

A nova legislação estabelecerá, portanto, apenas as diretrizes gerais de funcionamento do mercado de criptoativos e questões específicas ficarão a cargo de regulamentação específica e setorial. De toda forma, caberá aos órgãos apontados pelo Poder Executivo autorizar o funcionamento das corretoras (exchanges) e definir quais serão os ativos regulados. Assim, caberá ao regular que for escolhido tratar de forma técnica da temática da segregação patrimonial.

Um dos principais temas que gerou debate sobre o projeto é a chamada segregação patrimonial, uma medida que exigiria que exchanges separassem o patrimônio próprio do de clientes. A proposta foi incluída no Senado, mas o relator se manifestou contrário à medida, à obrigatoriedade e ao incentivo de redução de impacto ambiental, com os deputados seguindo o posicionamento. Com isso, haveria isenção fiscal para a mineração de feita com energia limpa, porém o relator Expedito Netto retirou também essa parte do texto justificando que questões tributárias devem ser debatidas em projetos específicos e que já tramitam diversos projetos de lei sobre energia limpa no Congresso. Assim, o artigo que previa a segregação patrimonial entre os bens dos clientes e da empresa foi suprimido.

Certamente, o ponto mais controverso do texto do Pl era quanto à chamada segregação patrimonial, que é um dispositivo que garante ao investidor que seus ativos, mesmo custodiados em uma corretora, são de sua propriedade e, assim, caso aconteça algo como a falência da corretora, os ativos por ela administrados serão devolvidos ao investidor/proprietário e não poderão ser usados para pagar quaisquer credores. Com isso, a votação do projeto não abordou o ponto polêmico e restou estabelecido que o Banco Central aceitou deixar o tema para ser regulado posteriormente como forma de viabilizar a votação do projeto como um todo. O relator do PL na Câmara retirou o trecho que obrigava as corretoras a fazerem uma segregação patrimonial e justificou que seria do interesse dos próprios clientes que as corretoras tenham liberdade para fazer como preferirem.

Quanto às questões criminais, foi criado um tipo penal, inserindo o artigo 171-A no Código Penal Brasileiro. Assim, a fraude em prestação de serviços de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros passa a ser criminalizada como um novo tipo referente ao estelionato, para quem “organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”, com pena de reclusão de 4 a 8 anos e multa. A versão do PL no Senado sugeria pena de reclusão de 2 a 6 anos, e multa e na versão da Câmara foi majorado de 1/3 a 2/3 quando forem cometidos por meio da utilização de “ativo virtual”.

A Lei nº 7.492/86 foi alterada para equiparar os serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia a INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

Foi alterada também a Lei nº 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, equiparando os serviços referentes a operações com ativos virtuais com as instituições financeiras para fins de proteção.

O que impacta para o Brasil e para o mundo:

O Marco Regulatório é de extrema importância, pois estabelece regras claras quanto às responsabilidades das empresas e do regulador, também combatendo a prática de crimes como lavagem de dinheiro e acrescentando, no Código Penal.

Conforme estipulado no PL, o Poder Executivo criará normas alinhadas aos padrões internacionais para prevenir a lavagem de dinheiro, ocultação de bens, a atuação de organizações criminosas e o financiamento do terrorismo, como já ocorre por exemplo, na legislação de Portugal (Lei n.º 83/2017, de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo).

Por consequência, a regulamentação infralegal do tema leva à proteção e defesa do consumidor e a transparência das operações envolvendo financeiras relativas aos ativos digitais. Colocando o Brasil na frente da legislação norte-americana e europeia. Este movimento contribui para garantir mais segurança jurídica nas relações e fortalecer o mercado.

Se tudo se encaminhar de forma natural, ainda esse ano a lei será promulgada, entrando em vigor em meados de maio/2023, com publicação de norma regulamentar pelo Bacen até o final de 2023.

Patricia Peck, CEO e sócia-fundadora, advogada especialista em Direito Digital e Conselheira Titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPD).

Lorena Botelho, sócia da área de Societário, Contratos e Inovação.

Camila Nascimento, advogada especialista em Direito Digital.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.