Peck Advogados

Discussão gira em torno da desinformação, uso de aplicativos de mensagens e proteção de dados

Nesse ano teremos eleições gerais e, ao que tudo indica, será mais uma eleição marcada pela forte presença virtual dos candidatos. Desde 2009, a legislação já se preocupa em estabelecer regras para a propaganda eleitoral na internet. Hoje, esse arcabouço teve que ser atualizado, tanto pela legislação quanto pelas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por conta das redes sociais, aplicativos de mensagem, impulsionamento do conteúdo e proteção de dados.

Todos esses temas são importantes para pensar sobre uma campanha digital, mas a proteção de dados é a grande novidade das eleições desse ano diante da plena vigência da Lei Geral de Proteção de Dados e do funcionamento pleno da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Tanto que, no final de 2021, o TSE e a ANPD firmaram acordo de cooperação técnica que deu origem ao Guia Orientativo de aplicação da LGPD por agentes de tratamento no contexto eleitoral, documento que apresenta diretrizes que devem ser implementadas por partidos, coligações, federações e candidatos.

O primeiro aspecto que é preciso destacar é que a internet pode (e deve) ser usada para a propaganda eleitoral. Inclusive, hoje já vemos as repercussões dos pré-candidatos nas redes, seja por meio dos perfis oficiais quanto em participação em vídeos e podcasts, o que é plenamente legal, já que a lei permite o uso da internet na pré-campanha desde que o candidato não faça pedido expresso de voto.

Neste sentido, para além das antigas regras, a campanha desse ano também tem outros pontos de atenção que os candidatos devem seguir sob pena de serem acionados judicialmente na justiça eleitoral ou administrativamente na ANPD, lembrando que, atualmente, o próprio titular de dados (que, no caso, é o eleitor) pode apresentar denúncia de descumprimento à LGPD para a ANPD de forma prática e online.

Considerando as campanhas digitais e as últimas eleições, três situações parecem ter ganhado maior preocupação das autoridades esse ano: a desinformação, o uso dos aplicativos de mensagens e a proteção de dados.

Quanto à desinformação, é preciso indicar que o Poder Legislativo buscou tratar sobre o assunto em alguma amplitude por meio do PL 2630/2020, popularmente conhecido como PL das Fake News, mas, até o presente momento, o projeto não foi votado no Plenário na Câmara dos Deputados e passa por um momento de rearranjo no texto diante da campanha contrária a alguns pontos do PL iniciada recentemente pelas plataformas de redes sociais. Considerando que a última versão do PL prevê vigência de 90 (noventa) e 180 (cento e oitenta) dias, a cada semana que passa, a aplicação do PL na eleição desse ano fica mais distante.

Mas, a despeito disso, a resolução do TSE prevê que o uso de conteúdo informativo na campanha pressupõe que o candidato se certificou da fidedignidade da informação, pois, em caso contrário, pode sofrer as sanções penais cabíveis, além de ter que viabilizar o direito de resposta do candidato vítima.

Para além disso, a resolução estabelece que a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos contra o processo eleitoral pode culminar em abuso de poder, uso indevido dos meios de comunicação e demais sanções penais cabíveis. Nessa linha, em outubro de 2021, o TSE já determinou a cassação e inelegibilidade do deputado federal Francischini, o que indica que o Tribunal está bastante atento ao tema e os candidatos devem ter postura a evitar disseminaram ou participarem da construção de campanhas desinformativas.

Com relação aos aplicativos de mensagem, o PL 2630/2020 apresenta diversas previsões que deveriam ser observadas para o uso geral das plataformas. Antes mesmo de 2018, observamos que, até mesmo fora do âmbito eleitoral, os apps de mensagem compõem discussão central no direito digital. Recentemente, após especulações desde o final de 2021, o min. Alexandre de Moraes determinou a suspensão do funcionamento do app no Brasil. Inclusive, o Telegram é objeto de controvérsia dentro da Justiça Eleitoral, pois o TSE busca contato com a plataforma desde o ano passado sem sucesso. Apenas após a ordem de suspensão é que finalmente o aplicativo apresentou representante no Brasil e cumpriu demais determinações exigidas, permitindo a revogação da ordem e a manutenção de seu funcionamento.

Esse cenário reforça o papel dos apps de mensagem nas eleições desse ano. O que os candidatos e eleitores devem ter em mente é que a lei permite que os apps de mensagem sejam usados para propaganda eleitoral, desde que as mensagens sejam identificadas como propaganda e permitam o descadastramento e a eliminação dos dados pessoais do destinatário. Sendo que, o disparo em massa somente é possível se houver o consentimento do destinatário.

Inclusive, as ações interpostas contra a chapa Bolsonaro/Mourão tinham como plano de fundo acusações relacionadas ao uso indevido de WhatsApp por essa campanha e por seus apoiadores. E, quando do julgamento, o TSE decidiu que o uso de aplicativos de mensagens para propiciar disparo em massa de conteúdo desinformativo contra adversários pode configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação, causando a cassação e a inelegibilidade, se o caso. Embora a ação tenha sido rejeitada, fica evidente que os órgãos de controle estão evoluindo no enfrentamento desse tema.

A existência do arcabouço legal e da jurisprudência, além do estado atual de conflito existente entre o Poder Judiciário e os aplicativos de mensagem, leva a percepção que, mais uma vez, muitas questões interessantes e complexas surgiram do uso dessa ferramenta para campanha.

Por fim, o terceiro ponto de atenção deve se concentrar nas disposições de privacidade e proteção de dados. Apesar de a LGPD já ter sido aplicada no contexto eleitoral em 2020, esse é o primeiro ano que existem maiores disposições sobre o assunto.  O uso de dados em campanhas eleitorais não é recente, o caso da Cambridge Analytica revela, inclusive, a problemática que o tratamento indevido de dados no contexto eleitoral pode gerar para os eleitores e para a democracia.

Esse ano, a resolução do TSE determina que a finalidade da coleta de dados deve ser respeitada mantendo o direito de oposição ao titular, inclusive em dados tornados manifestamente públicos pelo titular. Ademais, devem ser instituído canal de comunicação para que o eleitor exerça os direitos dos titulares (art. 18 da LGPD) e designado um encarregado pelo tratamento de dados pessoais.

Assim, pode-se esperar mais um ano de interessantes campanhas na internet, contudo, os candidatos devem estar muito atentos as normas eleitorais, pois o TSE já deu sinais de que deve adotar posturas mais rígidas em casos de desinformação e uso ilícito de apps de mensagem, e as previsões de proteção de dados devem ser observadas, sob pena de também serem analisadas administrativamente pela ANPD.


Por Henrique Rocha, sócio de Gestão de Crise e Contencioso Digital do Peck Advogados, e Jéssica Guedes, advogada no Peck Advogados. Postado originalmente no Lexlatin.

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