Peck Advogados

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu, nesta quinta-feira (18/8), que a Justiça Eleitoral deve manter a divulgação de dados dos candidatos, incluindo lista completa de bens e fontes de renda, na plataforma DivulgaCand.

No julgamento, prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, as inovações da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não se aplicam a questões eleitorais, pois a Lei das Eleições prevê a plena publicidade dos dados.

Especialistas ouvidos pela ConJur ressaltam que a transparência do processo eleitoral pode ser considerada juridicamente “mais importante” do que a privacidade dos dados dos candidatos.

Sobreposição de legislações

O advogado Adriano Mendes, sócio responsável pelas áreas de Digital e Proteção de Dados do escritório Assis e Mendes Advogados, ressalta que a LGPD é uma lei geral, que não prevalece sobre legislações específicas.

Gisele Truzzi, advogada especialista em Direito Digital e fundadora do escritório Truzzi Advogados, explica que a legislação eleitoral, por ser especial, se sobrepõe à LGPD. “O intuito do legislador ao definir que o candidato arrole seus bens é permitir que os eleitores acompanhem sua evolução patrimonial”, indica.

Segundo a advogada, a decisão realmente abre um precedente: eventualmente, poderão ocorrer novas tentativas de sobreposição de legislações especiais à LGPD. Mas isso deverá ser analisado caso a caso, conforme os interesses (públicos e privados) em jogo.

Obrigação legal

Além disso, a própria LGPD prevê dez possibilidades de tratamento de dados, dentre as quais o cumprimento de obrigação legal ou regulatória (artigo 7º, inciso II) — uma base ainda mais forte que o consentimento do titular.

“Havendo a necessidade e finalidade, a demonstração destas informações são plenamente justificadas e lícitas”, pontua Mendes. “Saber o valor do imóvel e sua localização, ou a marca e modelo do veículo são obrigações legais”.

De acordo com o advogado, economista e professor Renato Opice Blum, especialista em Direito Digital e proteção de dados, como o TSE tem competência de regulamentar o processo eleitoral por normas administrativas, tal circunstância pode ser encaixada na hipótese de cumprimento de obrigação legal.

“É uma situação prevista, um pouco excepcional, e portanto legítima quanto à divulgação dos bens, em função de uma exceção imposta por uma norma legal”, diz ele.

Para garantir privacidade e segurança aos candidatos, há exceções, como ressalvado pelo prório ministro Alexandre: endereço exato dos imóveis, placas dos carros, números de telefone e endereços de e-mail. Na visão de Mendes, não deveriam ser disponibilizadas tais informações de candidatos, nem de qualquer pessoa que não participa da vida pública.

Disputa de interesses

Bianca Mollicone, coordenadora do Instituto LGPD e sócia responsável por Proteção de Dados e Compliance do escritório Pessoa & Pessoa Advogados, ressalta que se trata de uma questão de equilíbrio entre os princípios da LGPD e o interesse público democrático.

Ou, nas palavras de Gisele, um equilíbrio entre “manter a privacidade do candidato e a transparência das informações ao eleitorado”. A finalidade no caso é um “bem maior e coletivo” — a transparência pública das informações, exigida pela Lei de Acesso à Informação (LAI) — e por isso se sobrepõe ao bem privado (a privacidade do candidato)

A advogada Patricia Peck, sócia do escritório Peck Advogados e especialista em Direito Digital, lembra que o tema foi abordado em audiência pública, promovida pelo TSE em junho, sobre o tratamento de dados pessoais no DivulgaCand.

“Houve a discussão sobre esta temática e se observou que um dos desafios destas eleições seria harmonizar, de um lado, o interesse público previsto na legislação eleitoral, e do outro a aplicação do princípio da minimização dos dados, previsto pelo artigo 6º da LGPD”, relata.

“Qualquer informação relevante para a escolha do eleitor, a lisura do processo eleitoral e os deveres a serem exercidos por aquele candidato ao ingressar na vida pública, se capazes de influenciar essa escolha, devem ser divulgados”, assinala Bianca.

Segundo ela, a proteção da privacidade e dos dados pessoais deve ser sempre no sentido de não se dar publicidade aos dados “que não contribuam ou sejam irrelevantes para a escolha do eleitor e ao bom desempenho da função pública”.

Críticos desse modelo argumentam que as regras de divulgação obrigatória de dados pessoais amplos poderiam desencorajar candidatos qualificados de concorrer. Mas Bianca lembra que “é inerente ao exercício de um cargo público (ou ao seu pleito), um escrutínio maior da sociedade que elegerá seus representantes”.

Por fim, para Bianca, de fato poderia ser mais aprofundada a questão de se manter no DivulgaCand todos os dados de pessoas que não são eleitas e não voltam a se candidatar. “Situação diversa daquele que volta a concorrer a um cargo público”, destaca.

Por Patricia Peck, CEO e sócia-fundadora do Peck Advogados e professora de Direito Digital da ESPM

Fonte: CONJUR

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