Por Por Patricia Peck Pinheiro, sócia-fundadora e CEO do Peck Advogados, professora de Direito Digital da ESPM e Conselheira Titular do CNPD, e Ana Silvia de Moura Leite Piergallini, advogada especialista em propriedade intelectual, líder na área de Propriedade Intelectual e Marketing Legal do Peck Advogados.
É inegável que a obra publicitária, enquanto obra intelectual, é objeto de proteção pela legislação autoral. Assim, aquele que plagiar uma campanha suficientemente original estará sujeito às sanções penais e civis decorrentes desse sistema, que protege o autor e o fruto da sua atividade criativa.
Na letra crua da lei, são considerada obras intelectuais as criações do espírito. Disso se extrai que o processo criativo está diretamente associado à produção intelectual e criativa de uma pessoa, um ser humano. Partindo dessa premissa, o questionamento que divide autoralistas mundo afora é: a quem se atribui a autoria de obras criadas pela inteligência artificial?
Recentemente, a campanha realizada por uma renomada segurada para a comemoração do aniversário da cidade de São Paulo ganhou destaque nos veículos especializados, não pelo ineditismo da mensagem ou pela conexão emocional com o público-alvo, mas sim pelo fato de ter sido quase totalmente criada por ferramentas de inteligência artificial (IA), a exemplo do Midjourney e do ChatGPT.
A tendência é que, de fato, a aplicação da IA seja cada vez mais recorrente em todos os mercados, mas quando seu uso está diretamente associado no processo criativo, influi na proteção da obra criada.
Desde o início da difusão de novas aplicações para a IA, especialmente aquelas ligadas à indústria criativa, acompanhamos diversos capítulos desse imbróglio, a começar pela celeuma de ser ou não a autoria da obra intelectual atribuída a IA.
Para retratar um pouco desse histórico, retomamos o caso do especialista em inteligência artificial, Stephen Thaler, que em 2018 buscou registrar no Escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos (USCO) a obra de arte “A Recent Entrance to Paradise”, criada pelo algoritmo por ele desenvolvido.
Thaler ficou conhecido por ser o inventor do sistema DABUS (Device for the Autonomous Bootstrapping of Unified Sentience) e ter depositado pedidos de patente em diversos escritórios de registro, pleiteando o reconhecimento da IA como inventora. Grande parte deles já recusaram a concessão da patente, sob o argumento de que o inventor listado (DABUS) não é uma pessoa física e, portanto, não pode ser considerado o criador.
O registro da obra intelectual foi igualmente rejeitado pelo USCO, com decisão confirmada no início de 2022 pelo órgão recursal do escritório, sob a mesma premissa de que a obra não “se baseia nos poderes criativos da mente humana”. Contudo, o caso não encerra aqui, já que Thaler agora levou o debate à esfera judicial por meio de uma moção para julgamento sumário perante o Tribunal Distrital de Columbia (Washington), em que requer o reconhecimento da autoria da obra gerada pela IA.
Esse não foi o único caso refutado pelo USCO. Em fevereiro desse ano o escritório declarou a decisão pela revogação de um registro anteriormente concedido para as imagens criadas a partir de prompts imputados no Midjourney para a história em quadrinhos “Zarya of the Dawn”. Considerou, para tanto, que a parte da obra gerada pela IA não deveria receber proteção de direitos autorais, pontuando que a proteção autoral deve se restringir às demais criações que são, de fato, fruto da atividade criativa do autor.
Em tecnologia e programação, os prompts são os comandos inseridos em um terminal ou em uma interface para guiar a execução de determinadas tarefas ou funções. Para alcançar bons resultados é preciso saber bem operar os prompts, que funcionam como a “receita do bolo” para uma obra diferenciada, digna de proteção autoral.
Em desdobramento de tais casos, o escritório publicou em março deste ano um Guia de Registo de Direitos de Autor para Obras com um material gerado por Inteligência Artificial, determinando a obrigatoriedade de indicação de conteúdos da obra que eventualmente incorporam algum trecho criado por IA. Isso pode se tornar uma tendência inclusive como previsão em contratos entre editoras e autores.
Além disso, trazendo como referências debates antigos, como aqueles que envolveram as obras fotográficas, cujo resultado depende da operação de uma câmera fotográfica, o USCO pontuou que a proteção das obras geradas por IA generativa dependerá do grau de influência do autor no resultado ou de “como a ferramenta de inteligência artificial opera e como foi usada para criar o trabalho final”. Ou seja, vai depender da qualificação do prompt e do grau de inferência no resultado final apresentado pela IA.
Considerou, ainda, que “os usuários não exercem o controle criativo final sobre como esses sistemas interpretam prompts e geram material”, pois por vezes eles atuam como se fossem ” instruções para um artista comissionado.”
É fato que estamos diante de tema recente e ainda levará um tempo para o estabelecimento de um consenso a respeito da atribuição de autoria para tais obras frente às diversas teorias defendidas, que vão desde o domínio público até a atribuição da autoria para o usuário/proprietário da IA.
No entanto, no caso do Brasil, na IX Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal de 2022, foi publicado o enunciado 670 para determinar sobre o artigo 11 da Lei de Direitos Autorais (Lei 9610/1998), que independentemente do grau de autonomia de um sistema de inteligência artificial, a condição de autor é restrita aos seres humanos.
A nós parece mais razoável que a tendência vá ser trazer a exploração patrimonial para o detentor da IA (seja ele o proprietário ou usuário), e até que se altere a legislação, continuará a autoria sendo restrita ao humano.
Aos publicitários de plantão, fica o alerta para bem operar tais ferramentas quando envolvidas no processo criativo das suas campanhas. É fundamental ter regras claras relacionadas ao uso destas novas tecnologias para evitar tanto riscos de questionamentos sobre plágios em campanha, como também para garantir que foram atendidas as prerrogativas dos contratos com os anunciantes/clientes, para que o Direito continue a socorrê-los e garantir a sua proteção, seja diante do Judiciário ou do CONAR.
Por: ProXXIma