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Por Henrique Rocha, sócio do Peck Advogados, com Adalbério Souza, Júlia Bessa Sanzi e Julia Duarte

Obras artísticas criadas por inteligência artificial e a proteção do direito autoral

Reprodução Freepik

Obras artisticas criadas por intelegência artificial e a proteção do direito autoral

Em 2016, a empresa Microsoft utilizou a Inteligência Artificial e algoritmos para criar uma pintura no estilo do artista holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn. O projeto denominado de “The Next Rembrandt[1]”, responsável por criar a obra, analisou por digitalizações 3D de alta resolução as 346 pinturas de Rembrandt, sendo possível captar, por meio de algoritmos, a técnica utilizada pelo artista, os traços típicos, o estilo barroco holandês e paleta de cores da época, gerando uma pintura que imita o estilo de Rembrandt com grande precisão, mas produzida inteiramente por meio da Inteligência Artificial e impressa por meio de impressora 3D.

As criações de obras artísticas por meio da utilização da tecnologia de Inteligência Artificial (IA) como a exemplificada anteriormente, além de diversas outras obras criadas por tecnologia, só foram possíveis devido alimentação desta tecnologia com dados preexistentes e obras autorais durante o processo de aprendizado e treinamento.

Todavia, apesar de sistemas de inteligência artificial utilizarem obras de artistas para treinamento, a remuneração desses artistas ou detentores de banco de imagens não tem sido uma prática comum na indústria.

Por esta razão, no início deste ano (2023), a Getty Images, uma empresa que oferece serviços de imagens e vídeos, entrou com um processo no Supremo Corte em Londres contra a empresa Stability AI, responsável pela ferramenta de IA generativa “Stable Diffusion”, que permite aos usuários gerarem imagens fotorrealistas por meio de comando de texto.

A alegação é de que a Stability infringiu a propriedade intelectual da Getty Images, ao copiar e processar ilegalmente milhões de imagens protegidas por direitos autorais e seus metadados sem licença, visando seus próprios interesses comerciais e violando os direitos autorais em conteúdo que pertence ou é representado pela Getty.

A empresa Stability também está sendo demandada no estado da Califórnia, EUA, por meio de uma ação aberta pelas artistas Sarah Andersen, Kelly McKernan e Karla Ortiz, que alegam que a ferramenta Stable Diffusion utiliza milhões de imagem extraídas da internet “sem o consentimento dos artistas originais” para gerar novas obras autorais.

Mesmo se tratando de um tema novo a ser inicialmente debatido por meio da análise de demandas até então internacionais, cabe ressaltar que a lei brasileira n.º 9.610/98, conhecida como Lei dos Direitos Autorais, em seu artigo 7º, atribui a proteção autoral apenas às obras intelectuais criadas pelo espírito humano: “São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro …”.

Por essa razão, a doutrina brasileira sustenta que caso não que haja um grau relevante de intervenção humana no processo de criação da obra obras criadas por sistemas de inteligência artificial (IA), não há proteção por direitos autorais. Bem como, são direitos dos autores a solicitação de autorização prévia para o uso de suas obras em treinamentos de inteligência artificial, já que isso pode ensejar lucro direto para as plataformas e prejudica a exploração econômica da obra original.

Portanto, em tese e até que haja alteração legislativa substancial, tem-se que obras criadas por inteligência artificial não possuem proteção autoral nos termos da legislação brasileira, já que não há a presença de criação humana, assim, tais obras são consideradas em domínio público.

Deste modo, o uso de obras autorais para o desenvolvimento de sistemas de IA generativos deve ser autorizado pelos titulares dos direitos autorais, pois pode prejudicar a exploração normal da obra originária e causar prejuízo a seus titulares.

Por Adalbério Souza e Henrique Rocha


[1] Disponível em: https://news.microsoft.com/europe/features/next-rembrandt/. Acesso em: 14 de setembro de 2023.


Festival “the town” conta com músicas criadas por inteligência artificial: como fica a proteção autoral?

Reprodução O Globo

O festival de música “The Town” teve sua primeira edição no Brasil, que ocorreu nos últimos dias 2, 3, 7, 9 e 10 de setembro de 2023, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. O evento elevou a experiência tecnológica do público ao implantar inteligência artificial (IA) e automação em diversos aspectos.

Dentre as inovações, no âmbito da segurança, por exemplo, o “The Town” contou com a ajuda de cães-robôs equipados com sensores de última geração, além de drones com visão computacional, que garantiram o monitoramento de todo o local em tempo real.

Em relação à experiência visual, no palco de música eletrônica, os espectadores interagiram com avatares criados por IA e assistiram a espetáculos com luzes de LED sincronizadas com os movimentos dos artistas por meio do uso de algoritmos. Além disso, durante a transição de um artista para outro, canções produzidas por IA foram tocadas, expandindo ainda mais os limites da criatividade musical, tema que é alvo de discussões no mundo todo. Afinal, obras criadas por IA são protegidas por direitos autorais?

Recentemente, a discussão chegou à Justiça Americana após o Escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos (U.S. Copyright Office) recusar o pedido de Stephan Thaler quanto ao reconhecimento de direitos autorais sobre uma imagem gerada por algoritmo. Thaler, CEO da Imagination Engines, argumentou que a IA atende aos critérios de autoria e, portanto, deveriam ser reconhecidos os direitos de propriedade intelectual.

Entretanto, a juíza do caso, Beryl Howell, manteve a decisão administrativa, enfatizando que a obra criada por IA sem qualquer intervenção humana não pode ser protegida por direitos autorais no país, vez que apenas trabalhos feitos por seres humanos têm direito à reivindicação, nos termos da lei.

A controvérsia também chegou ao Brasil, especialmente porque a Lei dos Direitos Autorais (Lei n.º 9.610/98) determina que o autor de uma obra literária, artística ou científica é uma pessoa natural, conforme seu artigo 11, redação que remete ao mesmo entendimento adotado nos Estados Unidos.

Porém, não há dúvidas de que a exigência legal quanto à intervenção humana advém do próprio cenário histórico em que o legislador estava inserido quando da elaboração da lei, momento em que a realidade da tecnologia não permitia prever a criação de uma obra por máquinas, o que leva a diferentes correntes quanto à aplicabilidade da proteção autoral neste contexto.

Porém, para que o ordenamento jurídico acompanhe as evoluções da sociedade digital, evitando-se decisões contraditórias e consequente insegurança jurídica, o tema merece ser regulamentado, como busca o projeto de lei n.º 2.338/2023, ainda em tramitação no Congresso Nacional.  

Por Júlia Bessa Sanzi e Henrique Rocha


Músicas criadas por inteligência artifical são retiradas dos serviços de streaming.

Reprodução Freepik

O uso de tecnologia em setores diversos vem crescendo a cada dia e uma recente invenção que surpreendeu a internet foi uma música nas vozes dos artistas “Drake” e “The Weekend” criada por Inteligência Artificial (IA).

A música “Heart on My Sleeve” viralizou no aplicativo de redes sociais TikTok, no entanto, após toda a repercussão, foi retirada dos serviços de streaming pela própria Universal Music, titular dos direitos dos artistas envolvidos. Isso ocorreu pois, à época, a Universal Music solicitou às plataformas de streaming que bloqueassem o treinamento de plataformas de IA nas melodias e letras de suas músicas copiadas.

No Brasil, a temática também tem sido discutida, especialmente no caso em que fãs do artista “Matuê” criaram uma música usando a sua voz em conjunto com a do falecido vocalista da banda “Charlie Brown Jr.” em canção denominada “Morte do Autotune”, situação que gera questionamento quanto à legitimidade do uso de voz de pessoa já falecida, sem autorização explícita.

No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei de Direitos Autorais (Lei n.º 9.610/98) se aplica, unicamente, a obras criadas por pessoas naturais. Portanto, surge o questionamento de quem teria o direito de reivindicar a autoria de uma obra digital gerada por Inteligência Artificial.

Para o tema, os juristas discutem três correntes a serem aplicadas ao caso, sendo elas: (i) a obra criada por IA é de domínio público e, portanto, não há de se falar em proteção legal; (ii) a empresa criadora da IA detém a titularidade dos direitos autorais, pois é a responsável pela aplicação coordenada da tecnologia; e (iii) o próprio usuário é o titular dos direitos autorais, vez que dá os comandos à ferramenta para que os resultados sejam gerados.

De todo modo, são apenas discussões passíveis de mudanças, uma vez que ainda não se tem legislação sobre uso e responsabilidade da Inteligência Artificial no Brasil, dado que o PL 2338/2023, que dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial, ainda tramita no Congresso Nacional sem data pra efetiva votação.

Por Julia Duarte e Henrique Rocha.

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