Vivemos em uma era tecnológica sem precedentes. Anos e anos de desenvolvimento são realizados em meses, e esses avanços já estão cada vez mais ligados ao nosso dia a dia. A internet nos mudou como sociedade, e o consumo digital começa cada vez mais cedo, é comum vermos que crianças mexerem melhor no celular que os idosos, e muitos até brincam, “parece que nasceu sabendo”.
De fato, eles nasceram, entretanto, os reflexos dessa conexão em 100% do tempo trazem consequências mais cedo, e é preciso cuidar tanto do ambiente que os pequenos navegam, quanto da forma como podem ser afetados pelo conteúdo ali distribuído.
A Lei de Serviços Digitais da União Europeia (UE) faz parte desse movimento de tornar a internet mais segura e garantir que o que é considerado ilegal na vida real, seja considerado também online.
Para os europeus, falta transparência das grandes marcas com seus usuários, tanto na coleta de dados, como nas propagandas que estudam seu padrão de comportamento e ajudam marcas lucrarem.
O que é a Lei de Serviços Digitais da EU?
Debatida desde 2020, a Lei é um primeiro passo, pensando no sentido global, de proteção do usuário na internet no geral. A Comissão Europeia apresentou duas propostas de atos que têm como objetivo regular o ambiente digital, o DMA (Digital Markets Acts) e o DAS (Digital Services Act). Nesse sentido, a legislação obriga empresas a fornecerem informações sobre o funcionamento dos algoritmos e relação com os consumidores.
Entende-se como serviços digitais, qualquer serviço que acessamos por meio das plataformas, de forma online. Sejam redes sociais, lojas virtuais ou espaços na web.
De início, a ideia é criar um ambiente virtual mais seguro, onde os direitos individuais dos usuários e os direitos fundamentais serão respeitados, e em segundo plano, estabelecer condições igualitárias para que haja o acesso a esses meios e essas plataformas.
A UE chegou em um consenso sobre ambos os atos, mas ainda não estão sendo adotados formalmente, outras normas ainda estão em debate. Espera-se que o DMA comece a valer a partir de outubro de 2022 e o DSA em janeiro de 2024. Ainda estão em discussão dois outros atos, que envolvem o uso de dados e inteligência artificial, mas ainda estão em debate.
Isso pode mandar nas grandes empresas?
A globalização ao mesmo tempo que nos conecta traz uma camada de incertezas quanto à sua ação. A concepção de empresas globais, que atuam e controlam seu conteúdo no mundo todo, deixa incertezas nas aplicações de regras. Patrícia Peck, sócia do Peck Advogados, conselheira titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e professora de Direito Digital da ESPM opinam sobre o assunto.
Para Patrícia Peck, é necessário mais que a decisão de um bloco, e sim a união de regulação, já que a internet se trata de algo internacional: “A DSA (…) tem sua aplicação para além do território da União Europeia. Assim, em tais situações, sua observância passa a ser obrigatória. A tendência é de que a DSA e a DMA sirvam como parâmetro regulatório mundial, tal como ocorreu com o GDPR (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), o quer nos leva a crer que novamente estamos com uma corrida regulatória”.
E continua: “Contudo, na minha percepção, o cenário mais adequado seria dispor sobre tais questões por meio de tratados internacionais que estabeleçam um padrão mínimo a ser adotado em todos os países signatários e assim assegurar uma maior uniformidade da regulação, pois a Internet é um território internacional. A ação em blocos regionais ou em nível nacional, país a país, gera desafios para operações, onera muito os custos que, no final a conta, vai parar no usuário final”.
Como estamos no Brasil?
Por aqui, ainda caminhamos lentamente, mas no caminho certo. Patrícia Peck explica que o legislativo começa a ganhar força, aliado com a atuação da sociedade civil: “Temos um arcabouço legislativo que vem ganhando força desde 1990 com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor.
Para dar efetividade a tais normas, temos a atuação da sociedade civil, por meio de órgãos públicos e entes do terceiro setor, atuando ativamente na defesa e proteção dos menores, sob todos os aspectos. Podemos citar a atuação já consolidada desses órgãos na publicidade infantil, por exemplo. Nesses pouco anos presenciamos uma crescente maturidade dos anúncios publicitários que envolvem produtos e serviços voltados a crianças e adolescentes, o que se deve à adoção pelo mercado de uma regulação a qual convencionaram adotar, em prol do estabelecimento de um mercado pautado por mais ética e respeito a este público vulnerável”.
Como as crianças podem ser protegidas nas redes sociais?
Por aqui, o cenário, pelo menos pensando em nossos jovens, é positivo, temos uma legislação que traz de forma mais efetiva a atuação e monitoramento dos menores pelos pais. Patrícia explica que a LGPD, garante, em seu artigo 14, que os dados pessoais de crianças e de adolescentes deverão ser tratados em seu melhor interesse, mantendo consonância com a legislação nacional que tutela as crianças e adolescentes, no caso o ECA.
A advogada entende que as regras existem mas depende da presença dos pais: “A LGPD estabelece regras claras para a forma de tratamento dos dados pessoais, como no caso de menores de doze anos, considerado criança, em que há exigência de coleta do consentimento prévio, expresso, específico e destacado de um dos pais ou representante legal para legitimar o tratamento de dados. O que se quer evitar é o “menor desassistido” que pode ficar exposto a situações de risco ou inadequadas para sua idade e condição”.
Vínculo entre crianças e telas
Além de pensarmos em uma legislação que protege e torna a internet mais segura, é preciso entender a melhor forma de manter uma relação entre as crianças e a internet.
Carolina Daniel Montagner, mestre e doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, entende que essa relação deve ser familiar, envolvendo a família como um todo e muito diálogo: “A orientação e supervisão do que e como as crianças estão utilizando as mídias digitais é responsabilidade de todos. Dos pais de orientarem e protegerem, da escola de orientar o momento adequado de uso e de nós usuários da Internet em fazer dela um meio agradável e saudável a todos”.
Carolina conta que a recomendação da OMS é que até os 2 anos as crianças não tenham nenhum acesso a telas, com a idade correta, cabe aos responsáveis orientar as crianças em relação aos conteúdos e o tempo de tela.
Priscilla Miranda, é mãe de dois filhos, João Pedro de sete e Maria Beatriz de cinco anos. Para ela, a relação deles com a internet nem sempre é tranquila, mas sempre baseada na conversa: “ Não é fácil a relação internet, pais e filhos. Hoje a criança tem um acesso muito grande à informação, e nós pais, temos cada vez menos tempo. É difícil saber dosar, já que no meu tempo não tinha isso, então é complicado entender que meu filho quer ficar o tempo todo no computador ou no celular, mas é uma evolução, eles são dessa geração”.
Prós e contras de estar online desde cedo
Carolina Montagner comenta também sobre os benefícios e malefícios do uso das redes: “Os benefícios estão no acesso a informações, cursos, aulas, contato com amigos frequente e atividades de lazer que o meio digital proporciona.
Mas ao mesmo tempo o tempo excessivo e o acesso a conteúdos inadequados podem deixar as crianças mais agitadas, despertas, violentas, sedentárias e podem apresentar dificuldades de interação social no presencial”.
Navegação, traumas e comportamentos
Estar conectado envolve mais do que uma criança pode entender, a internet possui conteúdos enganosos, perigos e pessoas mal-intencionadas. É preciso ensinar limites e respeito, pensar sempre no próximo.
Dentro de casa, é papel da família acompanhar os gostos das crianças, e sempre explicar o que pode e o que não pode, como diz Priscilla Miranda sobre: “Eu converso muito com meus filhos em casa, explico o que pode e o que não pode, temos um combinado de quando eu falo que algo não pode, eles entendem, eles são muito obedientes. As crianças têm uma capacidade de assimilação muito grande, você consegue explicar e passar a informação para elas e deixar tudo bem combinado. É preciso falar abertamente, mesmo quando o problema envolve algo polêmico, como aqueles desafios da internet de se machucar etc.”.
Patrícia Peck entende que uma gestão eficiente abrange a atuação conjunta do Estado, da sociedade e especialmente dos pais, e elenca algumas medidas e cuidados:
- Fazer o cadastro quando necessário e gerenciar as configurações da conta quando crianças forem jogar;
- Supervisionar o cadastro de adolescentes em jogos online;
Proteger a conta com senhas fortes; - Evitar o uso de nicknames que possam identificar o usuário (ex: sem usar nome e sobrenome);
- Jogar em plataformas oficiais;
- Supervisionar o tempo que os filhos passam jogando e incentivar os filhos a fazerem pausas regulares;
- Controlar os dados financeiros cadastrados e as compras realizadas;
- Orientar as crianças a não interagir com estranhos e orientar os adolescentes aos cuidados que devem ter na interação com estranhos em jogos.
Fonte: Consumidor moderno