Depois da onda das influenciadoras digitais virtuais, vem ganhando força em diversas plataformas os recursos para a criação de avatares 3D
Depois da onda das influenciadoras digitais virtuais, vem ganhando força em diversas plataformas os recursos para a criação de avatares 3D. Recentemente, a Microsoft anunciou o lançamento do Mesh para Teams, recurso que viabilizará a utilização da plataforma de videoconferências de forma mais imersiva.
Espera-se, como segundo passo, que as empresas também possam criar seus espaços no futuro metaverso do Teams e, assim, transformar a experiência das frias reuniões virtuais, deixando-as mais realistas.
Assim, logo mais a rotina do mundo corporativo passará a incorporar atividades como tais, que podem ocorrer na sede da empresa, estabelecida no metaverso. Nesse contexto, pessoas naturais estarão representadas por seus respectivos avatares, que podem ter sua representação correspondente à sua própria forma física no mundo real ou outra totalmente fantasiosa.
Essa nova realidade suscita alguns questionamentos sobre a extensão dos direitos da personalidade. Como se sabe, a lei brasileira protege a imagem das pessoas, bem como sua reputação. Mas a norma alcança essa pseudo personificação? Podemos vislumbrar uma efetividade do exercício dos direitos da personalidade no mundo virtual, e mais, nos novos contextos trazidos pelos metaversos?
Um dos focos dos direitos da personalidade é a identificação pessoal da pessoa humana em relação à sociedade, de forma que parece imperioso avaliarmos a sua aplicação no espaço digital, já que estamos caminhando para a intensificação das relaçoes sociais nesse meio.
Quando tratamos de hipóteses em que o avatar corresponde à exata representação da imagem da pessoa humana, é mais intuitivo que a ofensa perpetrada no espaço virtual e/ou de metaversos tenha reflexos diretos na honra do retratado, configurando a violação à imagem.
Não por outra razão o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a ofensa em caso de uso da imagem de diversos jogadores de futebol brasileiro no jogo Fifa. O Tribunal entendeu que a autorização obtida pela Eletronic Arts – EA, desenvolvedora do jogo, diretamente com os clubes a que os jogadores estavam vinculados (em decorrência do contrato de trabalho), não era bastante para a exploração comercial da sua imagem no jogo, imputando-lhe o dever de indenizar, que é decorrente da configuração do dano moral .
Outra decisão recente evidenciou a extensão e dimensão atribuídos globalmente a essa categoria de direitos, quando o Tribunal da California declarou admissível o processo movido contra a Netflix pela enxadrista georgiana Nona Gaprindashvili. Ao analisar o embate entre a liberdade de expressão e os direitos de personalidade, a juíza entendeu que a mera remissão ao nome da ofendida, ainda que no contexto de uma obra de ficção, é passível de indenização se tiver o condão de imputar ofesa à sua honra ou reputação.
Diante disso, constatamos que o desafio, no novo cenário, está no exercício dos direitos da personalidade e na sua tutela, diante das citadas pseudo personalidades, muitas vezes multifacetadas do universo virtual e de metaversos.
Delimitar as hipóteses de incidência, assim como a individualização do sujeito vítima da ofensa, não será tarefa fácil, considernando o cenário em que a imagem da pessoa pode ser projetada e materializada (em vários metaversos) em um ou vários avatares.
Vamos um pouco além nos exemplos de situações possíveis e análise de cenários de riscos e danos envolvidos:
Cenário 1: alguém ofende a imagem projetada de outra pessoa em seu avatar
Cenário 2: alguém se apossa ou faz uso da imagem de outra pessoa através de um avatar antes da mesma impossibilitando que o verdadeito titular da imagem possa usá-la em seu próprio avatar
Cenário 3: alguém furta ou sequestra o avatar de outra pessoa
Cenário 4: alguém se faz passar por outra pessoa através de um avatar com uso da sua imagem ludibriando ou enganando terceiros
Cenário 5: alguém cujo avatar se torna tão relevante passa a ter sua identidade mais reconhecida pelo avatar do que sua própria imagem/identidade real e necessita garantir proteção de direitos da imagem do avatar (e não da sua própria) para além dos limites dos metaversos
Todas estas situações são desafiadoras, não apenas do ponto de vista da intepretação da lei mas em especial no tocante à jurisdição aplicável nesse ambiente descentralizado, sem personificação jurídica, que tende, inclusive, a inviabilizar as medidas administrativas de gerenciamento das atividades ilícitas.
Ficamos, por enquanto, com essa missão. Caberá ao direito, como de costume, acompanhar a evolução tecnológica e com ele evoluir para disciplinar as novas relações jurídicas no ambiente digital.
Por ora, uma coisa é certa: na era da web 3.0, a atenção estará voltada à proteção do direito de imagem e por sua vez do direito dos avatares nos metaversos.
Ana Piergallini e Patricia Peck, advogada líder em Marketing Legal e Propriedade Intelectual e, sócia-fundadora do Peck Advogados, professora de Direito Digital da ESPM e Conselheira Titular do CNPD, respectivamente.
Postado originalmente no Meio&Mensagem.