Peck Advogados

Por Henrique Rocha, Sócio no Peck Advogados e Leila Hadba, estagiária no Peck Advogados.

Independentemente da região em que cresçam, os riscos as crianças são muitos, indo desde os tradicionais tombos frutos dos primeiros passos, até acidentes domésticos, aventuras na casa dos avós, entre tantos outros que todos os pais (este autor inclusive) bem sabem. Porém, diante do avanço tecnológico e o uso intenso da internet e das redes sociais, as crianças estão expostas a um sem números riscos no que já se acostumou de dizer de rua mais perigosa do mundo, a rua digital.

Como riscos digitais já mapeados por empresas especializadas, estão elencadas as práticas de bullying virtual, phishing, downloads e disseminação não intencional de malwares e os recentes cuidados com o Overshareting¹. Um vídeo emblemático da Deutsche Telekom apresenta de forma didática os riscos da superexposição de crianças na internet².

Corroborando com esses alertas, o último Anuário do Fórum Nacional de Segurança Pública, publicado em 2023, confirmou a elevação na taxa de crimes relacionados a Pornografia Infanto-Juvenil, trazendo destaques negativos para os Estados do Acre, Amazonas e Pará, com aumentos nos registros desses crimes na ordem de 500%, 146,2% e 130%, respectivamente.

Resultados encontrados na pesquisa

Para melhor entender o cenário existente no Estado de São Paulo, o Peck Advogados conduziu um levantamento realizado perante os casos disponíveis para consulta no Tribunal de Justiça de São Paulo, trazendo indicadores relevantes.

Após filtros iniciais por palavras-chave e tipo de rito processual, bem como identificação de casos aptos a consulta, dado que estes tipos de processos, em regra, são sigilosos, foram identificados 33 casos julgados por Câmaras no Tribunal de Justiça no período compreendido entre 2016 e 2023, todos envolvendo práticas relacionadas aos crimes previstos nos artigos 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C, 241-D e 241-E do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90.

A maior parte dos casos mapeados foram julgados em decorrência de práticas previstas nos artigos 241-A, 241-B e 241-C do ECA (10), envolvendo crimes como Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente, Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente e Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual.

A dinâmica dos casos envolvia desde ameaças de morte aos pais das crianças exigindo o envio de fotos e vídeos, passando por interações despretensiosas em redes sociais, além de interações envolvendo grupos de jogos online. Entre os aplicativos utilizados pelos criminosos, foi possível traçar um recorte sobre a finalidade de cada app e sua respectiva funcionalidade nos casos:

Provedores mais utilizadosNúmero de casosFinalidade
292 Emule (programador para acessar a Deep Web)8Acessar, compartilhar e baixar
Google4Armazenar
Meta (Facebook e Whatsapp, principalmente)9Conversas com as vítimas
Telegram2Conversas com as vítimas
eDonkey2Acessar, compartilhar e baixar
Microsoft Skype2Compartilhar
Mega1Acessar, compartilhar e baixar
Relação de aplicativos utilizados pelos criminosos nos casos mapeados.

Com expressiva manutenção de condenação, os altos índices de recursos julgados ratificando a condenação são maioria, representado 30 manutenções e apenas 5 absolvições parciais ou totais em relação à prática imputada aos réus, demonstrando o rigor do TJSP no enfrentamento dos referidos casos.

Recomendações para pais, empresas e provedores

Como recomendações às famílias, é novamente necessário relembrar a importância de, além de manter contato franco e direto com os filhos sobre os riscos existentes na internet, também se avaliar os aplicativos efetivamente utilizados por crianças e adolescentes, confirmar a existência de conexões e seguidores desconhecidos, estreitar o tempo de uso e intensidade da navegação na internet e redes sociais em geral, equilibrando a atividade digital com a privacidade e segurança das crianças e adolescentes.

Às empresas que provêm soluções tecnológicas para esse público, é indispensável manter seus canais de contato e políticas atualizadas, observar o rigor no estabelecimento de camadas de segurança digital e de governança em suas operações para que, ao identificar uso incorreto de suas soluções, naturalmente tenham a contramedida apta para imediata interrupção das atividades e identificação de agentes maliciosos.

Ao Estado cabe, ainda, promover campanhas de conscientização aos pais, empresas e público em geral, dado o aumento preocupante de crimes do tipo, reforçando a necessidade de mais investimento em educação de qualidade, inclusive a digital, para então fazer cumprir o comando constitucional previsto no art. 227 da Constituição.

Por fim, aos que insistem em praticar condutas abjetas como as descritas acima, é de rigor deixar claro que o avanço tecnológico e das técnicas de investigação, bem como o aumento da conscientização de agentes envolvidos na repressão a esta modalidade criminal impede que agentes mau intencionados permaneçam nas sombras e sejam trazidos para luz onde devem receber pedagógica, firme e adequada reprimenda legal.

pai cuidando da segurança digital da sua filha

1 Soma das palavras “share” e “pareting”, a prática tem sido identificada como excesso de exposição dos filhos, podendo gerar prejuízos futuros às crianças, incluindo desde o comprometimento da privacidade, chegando até mesmo a prática de roubo de identidade.


2 Disponível em https://canaltech.com.br/seguranca/video-perturbador-mostra-os-riscos-de-postar-fotos-de-criancas-em-redes-sociais-257328/ Acesso em 25/09/2023

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