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A atualização recente do Código de Processo Civil do Brasil (Lei 14.620/2023) permitiu a validação de contratos assinados eletronicamente sem a necessidade de testemunhas, desde que a integridade do documento seja garantida por um provedor de assinatura.

Por Patricia Peck, sócia-fundadora do Peck Advogados e professora de Direito Digital da ESPM e Antonio Oliveira, sócio do Peck Advogados

Tornar processos mais ágeis e conferir mais segurança jurídica para as relações, especialmente as que ocorrem por meio das telas, tem sido um desafio há muitos anos. E pós-pandemia, essa realidade se tornou ainda mais comum, com a transformação digital alcançando a todos, em um país tão grande e diverso com o Brasil, com públicos com todo tipo de formação e faixa-etária. Para enfrentar este desafio, é cada vez mais indispensável ter métodos que garantam eficiência e transparência na gestão, e nas próprias relações que fazem parte dessas trocas e acordos.

Uma das grandes evoluções que temos presenciado nesse sentido é na maneira de firmar contratos. Seja para favorecer a rapidez e até o ganho de produtividade, vemos a utilização de recursos mais modernos para manifestação da vontade das partes, bem como incorporação destes novos modelos de documentos e de assinaturas pelo Judiciário. Ou seja, essa evolução faz parte da construção de um ambiente dinâmico onde negócios jurídicos florescem com segurança e agilidade sob trilhas de auditoria digitais.

Atualização do Código de Processo Civil e os contratos assinados eletronicamente

Com o objetivo de alinhar a lei com a prática e expressamente conferir força executiva aos contratos assinados eletronicamente, mesmo sem testemunhas, foi aprovada recentemente uma importante alteração na legislação nacional. Com a sanção da Lei 14.620/2023, em julho deste ano, foi adicionado o § 4º ao art. 784 do Código de Processo Civil, que trouxe a seguinte determinação:

“§ 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura.”

O trecho Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico nos remete a títulos nato-digitais (que já nasceram em formato eletrônico), mas não se restringe a eles. Mesmo documentos digitalizados, se atestados eletronicamente, podem se valer da exequibilidade – o que reflete a adaptação da legislação para as novas realidades contratuais.

Primeiramente, essa leitura harmoniza com a realidade dos documentos que transitam em ambiente digital e não conflita com normas vigentes acerca do tema. A exemplo da digitalização de documentos financeiros reguladas pelo Banco Central na Resolução Nº 4.474 e na Circular Nº 3.789, ambas de 2016. O que persistirá é a observância de normas específicas de caso concreto.

No trecho, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei baseada na validade ampla da MP 2.200/21 (art. 10, § 2º) e da própria liberdade de forma do Art. 107 do Código Civil, ratificando que qualquer método de assinatura eletrônica é hábil a manifestar vontade.

Dispensada a assinatura de testemunhas

O ponto mais “disruptivo” do texto está na determinação que será dispensada a assinatura de testemunhas. Mesmo que de forma condicional, o ponto mina um aspecto formal de constituição do título executivo que estava muito distante das possibilidades da conjuntura atual e da intenção do legislador.

Pedindo emprestada a definição clássica de Comoglio, a prova testemunhal classicamente se objetiva a “reconstrução histórica ou a representação narrada de fatos relevantes para o julgamento, ocorridos anteriormente e sabidos pela testemunha ou percebidos com seus próprios sentidos”.

Situando para o cenário contemporâneo, negócios jurídicos se desenrolam substancialmente ou totalmente no âmbito digital, sem observadores oculares. Na prática, nem os negócios jurídicos celebrados em papel possuem hoje o luxo da testemunha ocular como requisito formal ou ferramenta de convencimento do que realmente ocorreu na mesa de negociação.

Apesar dessa característica, a construção narrativa do negócio jurídico firmado em ambiente eletrônico é referendada por um narrador bem mais fidedigno: a testemunha-máquina.

A testemunha-máquina hoje nos traz muito mais informações estruturadas que sua contraparte humana, demonstrando de forma inequívoca a ciência sobre determinado conteúdo e a declaração de vontade quanto a determinados termos e condições. Mesmo esse ponto deve ser observado como a ratificação de uma evolução fática e jurisprudencial e não como uma quebra de status quo por si.

Integridade

Retornado ao texto da norma, o último trecho traz a especificação quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura. Integridade é um pilar da Segurança da Informação e consiste na “inalteração” de termos e registros ao longo do tempo. Qualquer modificação dessas informações – intencionais ou não – seria entendida como uma quebra de integridade.

Evoluímos então ao garantidor desse pilar, que é o provedor de assinatura. Note-se que a expressão provedor de assinatura é ampla. Temos que a opção do legislador ratifica a liberdade das formas, podendo ser tal provedor de assinatura qualquer entidade idônea e apta a atestar a autenticidade e a integridade da declaração de vontade oposta em ambiente digital.

Por fim, é fato que a mudança é bem-vinda e alinha a norma à realidade, uniformizando interpretações e proporcionando segurança jurídica, além de ratificar uma inevitável evolução fática e jurisprudencial.

Fonte: Tech Compliance

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