A adoção de programas de compliance pelas empresas relaciona-se diretamente com medidas voltadas à inclusão, a partir da abordagem de temas e promoção de atividades que tratem da diversidade racial, sexual, de gênero e de condições físicas, e que devem integrar os procedimentos internos da empresa.
Nesse sentido, é necessária a reflexão a respeito do compliance antidiscriminatório, o qual complementa as regras de compliance no sentido de reforçar o respeito aos indivíduos e a valorização da dignidade humana.
A Constituição Federal traz, em seus preceitos, pontos que norteiam e reafirmam a importância de se adotar, em todas as searas, atitudes e diretrizes que considerem a diversidade e promovam a igualdade. É o caso do art. 3º, IV, que define como objetivo fundamental da República promover o bem de todos, sem discriminação, bem como é o caso da interpretação dos direitos fundamentais estipulados, que garantem que a diversidade seja respeitada de variadas formas, como em relação à igualdade de gênero, à liberdade religiosa, de expressão.
Traz-se à luz, também, o fato de que o Brasil é signatário de tratados internacionais de Direitos Humanos, o que reforça a importância do tema, e a visão da Organização das Nações Unidas (ONU) expressa na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, na qual destaca-se a igualdade de gênero, objetivo a ser alcançado também pelo Brasil em todo o âmbito social.
Ademais, adotar o compliance antidiscriminatório dentro das empresas não significa, simplesmente, cumprimento da lei. É comprovado que os negócios são efetivamente impactados com essas práticas diversas e inclusivas, gerando maior inovação, maiores receitas e maior retenção de talentos.
Uma instituição, pública ou privada, para atender a tais preceitos, adota o compliance antidiscriminatório em suas diretrizes internas, de modo a estruturar controles internos, normas, políticas e procedimentos que promovam o respeito à diversidade. Esta abordagem vai além do compliance em sua via usual, ou seja, que define a prevenção e o combate a condutas como o assédio ou a violação das boas práticas e legislação trabalhista.
É necessário, como em todo programa de compliance, contar com o tone from the top, ou seja, o engajamento da alta direção da organização como forma de incentivo e validação das diretrizes estabelecidas, no sentido de respeito à diversidade e fomento da antidiscriminação. Mais do que isso, é necessário que haja uma completa mudança de cultura. Não basta possuir ações plurais e afirmativas se não há por trás um programa que permite às pessoas evoluírem e crescerem dentro dessas organizações. E, pensando em alta de direção, é raro que um board uniforme consiga pensar e valorizar todas essas questões e as possibilidades advindas dessa mudança.
Além de estabelecer os princípios que devem ser observados, também é preciso comunicar e difundir essas diretrizes da melhor forma, com treinamentos, medidas voltadas ao aprendizado do público interno e a comunicação interna e externa.
Essa estrutura de governança corporativa baseada no compliance antidiscriminatório vai além de definir documentos específicos para o tema. A premissa deve permear todas as áreas corporativas e deve haver regras antidiscriminatórias sempre que cabíveis. Por exemplo, no Código de Conduta da empresa, em seus procedimentos de contratação de colaboradores, em políticas de relacionamento com terceiros – com o intuito de ampliar a aplicação das regras também a estes.
Além disso, é importante que o Canal de Denúncias esteja em funcionamento e apto a receber relatos de condutas que envolvam os temas, bem como que tais relatos sejam devidamente investigados e as providências necessárias sejam tomadas, de acordo com a estrutura de deliberações internas de compliance da organização.
Qualquer que seja a abordagem documental escolhida pela empresa sobre o compliance antidiscriminatório, é importante que as definições não sejam apenas percebidas no papel. A reputação da empresa está ligada aos atos que acontecem no seu ambiente e em seus relacionamentos. Logo, estes devem efetivamente seguir as diretrizes definidas.
Há de se considerar que mesmo em empresas com compliance antidiscriminatório já implementado, é possível, por exemplo, encontrar colaboradores que exercem a mesma função, mas com remunerações diferentes – usualmente com as mulheres recebendo salários menores. Não basta então ter a política, é essencial fazer investigações periódicas e equalizar a situação de fato.
Apesar de o tema se mostrar urgente e imprescindível, relatório publicado pelo Great Place to Work, “Tendências em Gestão de Pessoas 2022”, demonstra que a preocupação com a diversidade diminuiu em 2022, ao evidenciar que apenas 12,1% dos entrevistados afirmam que a empresa em que trabalham lidam com o tema com maturidade. Em entrevista à Época Negócios, Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais do GPTW, afirma que, apesar de o discurso ganhar força nos últimos anos, na prática das empresas as ações continuam pouco expressivas.
Ao refletirem sobre os benefícios do compliance antidiscriminatório durante o II Seminário Governança, Compliance e Cidadania, os especialista Eveline Fonseca e Fellipe Sousa o expõem como “ferramenta garantidora do respeito à diversidade nas empresas”. Ambos afirmam que:
(…) Assevere-se que também a possibilidade de ocorrência de racismo e sexismo nas ambiências empresariais impactam na reputação das organizações, sendo necessário acoplar ao compliance preocupações com o binômio discriminação-diversidade, o que implica na necessidade de implantação de práticas antidiscriminatórias e também de promoção de respeito à diversidade em ambientes empresariais
Dessa forma, conclui-se que o compliance é um aliado das empresas na adoção de práticas antidiscriminatórias, e deve ser focado em garantir a conduta empresarial sem a ocorrência e sem a perpetuação de racismo, sexismo, capacitismo, LGBTfobia, dentre outros males que afetam a sociedade e, consequentemente, o mercado. Deve-se haver a estipulação de regras e a motivação direta e concreta no sentido de todos a agirem de modo a promoverem o respeito à diversidade.
Por Milena Grado, advogada gestora e Giovana Costa Barbieri, advogada do Peck Advogados.
Fonte: Análise